A produção da verdade pela polícia em processos criminais nos anos finais da ditadura militar brasileira (1983-1985)
Abstract
A pesquisa possui como tema a história do Direito Criminal brasileiro (1983-1985) e tem como
objetivo geral compreender os efeitos de poder das intituições, bem como os discursos que elas
produzem no campo de disputa saber-verdade. Para isso, tomou como objeto as práticas de
produção da verdade pela atividade policial no processo criminal por crimes comuns durante
os últimos anos da Ditadura Militar Brasileira. Metodologicamente, a pesquisa se pauta no
método arqueogenealógico de Michel Foucault, efetivando-se pela análise bibliográfica e
documental, sendo o corpus da pesquisa os julgados emitidos pelas Câmaras Criminais do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina em 1983, 1984 e 1985, que totalizam 4.310 acórdãos.
Diante disso, definiu-se critérios de seleção das decisões por meio de palavras-chave que
permeiam o objeto da pesquisa, chegando-se ao total definitivo de 114 julgados analisados. A
perspectiva foucaultiana permite perceber as contradições inerentes à análise dos discursos,
bem como as práticas de saber-poder-verdade, enquanto práticas de subjetivação. O que
perpassa e articula internamente os capítulos dessa dissertação é o esforço de compreensão do
modo como as relações de poder e violência constituem práticas de verdade que, por sua vez,
reproduzem novas relações de poder e violência. Destaca-se que não se trata de julgados sobre
casos envolvendo os grandes líderes do período, mas sim autoridades policiais, jurídicas e
cidadãos comuns, que viveram as consequências desse contexto histórico. Assim, o primeiro
capítulo traz como objeto a conexão entre a violência política e a violência comum praticada
pelo Estado no período da Ditadura Militar Brasileira, com uma ênfase no estado de Santa
Catarina, mas sem deixar de considerar os aspectos nacionais, a fim de obter as condições de
possibilidade, bem como as características e limites das razões de decidir dos acórdãos. Em
seguida, são verificados os periódicos e os manuais de processo penal para analisar como a
cultura jurídica criminal tratava a temática da atividade policial como meio de prova nos
julgados. Esse substrato permitiu analisar os julgados e identificar as ‘razões de decidir’ que
envolvem o tema. Os resultados apontam que durante o período examinado, o poder judiciário
atribuiu maior valor às provas oriundas da atividade policial em detrimento do interrogatório
do réu com retratação da confissão policial na fase judicial, mesmo nos casos em que o preso
alegou como justificativa da retratação da confissão policial, a tortura. Compreende-se, assim,
como o aparelho judicial-policial dos anos finais da Ditadura Militar empregou a violência
como instrumento de produção de verdades processuais, gerando graves consequências
jurídicas para os réus condenados e a perpetuação da relação de violência ocorrida no início do
procedimento de investigação.